Albo > por Jorge Reis


Quando o corpo (o próprio ou o do outro) é entendido no tempo e no espaço, este está sujeito a ser retido enquanto memória, a qual se encontra condicionada pelas experiências, mais ou menos intensas, reais ou fictícias, que potencialmente possam ter resultado desse contexto de intersubjetividade com o espaço ou com o outro. “A memória de um corpo é uma refutação impressionante da dualidade do corpo consciente e o corpo físico.” (Thomas Fuchs). Nesta dualidade, a ausência do corpo parece provocar uma flexão de tempo nos seus traços sensíveis, o que potencia o sentimento de presença através da intensa evocação de lembranças. Uma ausência que resulta em falsa sensação de forte presença. As lembranças que se colecionam ao longo do tempo vivido, em forma de imagens e objetos que dispomos em nossas casas, são, sobretudo as fotografias, e segundo Roland Barthes, “meras alucinações temporais”. Já o luto, entendendo-o como uma deslocação do corpo no tempo, é compreendido na importância das lembranças criadas do corpo materialmente ausente, mas que estão intrinsecamente presentes no espaço da memória, ao amplificar o sentido de presença dura e hiperrealista. Pode-se então afirmar que este sentido de presença mediado pela ausência do corpo perecido, é fortalecido pelas lembranças colecionadas que provocam, simultaneamente, uma sensação profunda de esvaziamento, parafraseando William James. É possível, com isto, perceber que paradoxalmente a ausência pode ser uma frequente presença nas nossas vidas e na Arte. Algumas referências de artistas que trabalham as reflexões supra, como são o caso, Christian Boltanski, Claudio Parmiggiani, Anish Kapoor, André Martins, Peter Campus e Bill Viola, só para referir alguns.

Nesta exposição deu-se o título de ALBO (1650), uma palavra originária do latim que significa “livro de lembranças”, mais tarde, em 1755, branco, vazio, "livro com folhas em branco destinadas a coletar assinaturas e outras lembranças." (Johnson). Partiu-se do objecto álbum e a casa como espaço coletor de lembranças para desenvolver a linha de criação que o artista apresenta aqui na Casa Azul ▲.

Foi assente nestas premissas que o artista plástico Rui Aleixo desenvolveu o seu corpo de trabalho. Uma exposição em duas salas que conta com um total de cerca de 50 obras. Nesta extensa série de obras é possível ver obras onde as geometrias de passepartouts que surgem nos álbuns de família antigos, imprimem composições com linha, mancha, colagem, transparência, contrastes e sobreposições. Na mesma lógica, Aleixo criou três obras acima da escala humana que jogam com desenho sobre manga plástica transparente que dialogam com o espaço expositivo. Rui Aleixo também apresenta obras com os próprios passepartouts e elementos naturais usando-os como máscara. Parte dos passepartouts que serviram como máscara foram reproduzidos em escalas diferentes. Algumas das obras produzidas usam formas geométricas pintadas que sobrepõem a uma imagem existente, deixando apenas parte dela visível. É também possível observar obras com intervenção nos passepartouts e molduras.
Jorge Reis

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